Construtoras se rendem a vizinhança do Embaré

Artigo sobre assunto foi publicado em A Tribuna

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Boa brisa sopra do Embaré neste ensolarado inverno santista. Os moradores da Rua Álvaro Alvim e redondezas devem estar substituindo o barulho infernal dos bate-estacas da obra que os atazanou meses a fio pelo espocar dos foguetes. No fim da semana passada chegou-me a notícia de que finalmente as construtoras responsáveis pelo desatino renderam-se aos argumentos da vizinhança e iniciaram a remoção dos últimos equipamentos que provocaram muitos prejuízos ao patrimônio e à saúde desses moradores.

Feliz pelo dever cumprido de apoiar, junto com outros colegas de Legislativo, a mobilização exemplar destes cidadãos, aproveito para reler artigo publicado em recente edição deste jornal, fazendo a apologia destas torres gigantescas que há alguns anos começaram a brotar em nossa Cidade, valendo-se da boa fase da economia nacional.

Para justificar a disseminação deste padrão construtivo, claramente insustentável, o autor mistura meias verdades e informações que não correspondem aos fatos que já veri ficamos em nossa Cidade.

Há meses promovo e participo de discussões acerca desta questão, em vários fóruns, e hoje estou certa de que muitos dos que lerem este artigo compreenderão com clareza meu ponto devista.

Primeiramente, é preciso ressaltar que o setor da construção é extremamente importante para nossa economia e principalmente para prover de moradias e equipamentos urbanos quem necessita. Com esta finalidade, o Poder Público, ao invés de ofertar gratuitamente um potencial construtivo quase infinito, tem a obrigação de implementar instrumentos urbanísticos e fiscais de indução desta atividade.

Feita esta ressalva, afirmo categoricamente que as torres que estão sendo construídas em Santos, em sua quase totalidade vêm provocando sérios impactos ambientais e sociais, além dos bate-estacas que nos enlouquecem, para os quais a Cidade não está preparada e cujas conseqüências serão debitadas nas contas das futuras gerações de santistas.

A afirmação prestada no referido artigo, de que estas construções "não impedem a ventilação\'\' e de que não são insuportáveis "os impactos da demanda de água, esgoto e vias de trânsito\'\', não resiste à mais ligeira análise dos fatos.

Quanto ao trânsito, cuja situação já é insuportável, o equívoco de se incentivar, nestes imóveis, a oferta quase ilimitada de vagas de garagens vai custar caro quando estas unidades estiverem ocupadas e milhares de veículos forem despejados nas ruas, nos horários de pico.

No quesito insolação e ventilação, os enormes volumes dos primeiros andares destas torres, normalmente ocupados por garagens e áreas comuns dos condomínios, além de grotescos, afetam brutalmente o micro-clima dos imóveis vizinhos, em função dos recuos exíguos, se comparados com os exigidos pela legislação urbanística anteriormente vigente. Assim, a tal qualidade de vida só pode ser usufruída pelos privilegiados que residem nas alturas dos apartamentos de alto valor.

É justamente os preços destes imóveis que vêm contribuindo para a valorização excessiva dos bairros da orla, aprofundando o processo de expulsão da população de classe média, observada desde a década de 1980. É este fenômeno que provoca as baixas taxas de crescimento populacional em Santos, ironicamente garantindo que o abastecimento de água ainda não seja um problema para estes bairros. Isto nada tem de malthusiano, é darwinismo social dos mais selvagens: uma verdadeira seleção das espécies, em que os mais aptos são os de maior renda.

O que se nota, ao contrário do que defende o autor, é que a ampliação da oferta de imóveis não vem gerando queda de preços, mas uma alta expressiva. Como se sabe, Adam Smith deve ser relido no contexto certo. Mas inspirada nos cidadãos do Embaré, que foram à luta para defender seus sonhos de cidade, concordo plenamente com a proposta de se realizar um plebiscito acerca da atual política urbana municipal, idéia esta que venho defendendo há alguns meses. Chegou a hora de a população ser verdadeiramente ouvida acerca da qualidade de vida que deseja para nossa Cidade.

Cassandra Marone Nunes
Vereadora (PT)