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Filme conta a vida de político cassado pela ditadura em 64 (A Tribuna - 19/01/2007).

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Sexta-Feira, 19 de Janeiro de 2007, 08:48

Filme conta a vida de político cassado pela ditadura em 64

Da Reportagem

Personagem de uma história política interrompida pelo regime militar, Luiz Rodrigues Corvo participa hoje às 20h30, no Teatro Municipal, da apresentação do documentário Farto de Solidão, com direção de Luiz Carlos Prestes Filho e Mariana Reade.

Com 75 minutos de duração, o filme, finalizado em agosto do ano passado, foi um presente-surpresa da filha Roberta para o aniversário de 65 anos do pai, completos em 2006. Relata a atuação de Corvo como integrante do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e como vereador da Cidade nos anos 60. Ele teve seu mandato cassado em 1964, apenas 45 dias após o início.

‘‘Me disseram que se tratava de um documentário sobre cassados políticos, e me pediram para dar um depoimento. Durante a filmagem, tive até algumas rusgas com o pessoal da equipe, porque eles perguntavam muitas coisas’’, diz o advogado, que não desconfiou de nada e só soube que a fita era um retrato de sua vida ao assisti-la.

‘‘No final da exibição, olhei para trás e vi a técnica aplaudindo e toda a minha família presente. Minha filha Roberta disse que era o seu presente para o meu aniversário de 65 anos. Como dizem em Santos, fiquei passado e absolutamente perplexo ao perceber que a história era toda a meu respeito’’.

Farto de Solidão traz também depoimentos de outros personagens da história política de Santos e do Brasil naquela época, como Gastone Righi, que atuou como advogado de Corvo, o ex-deputado Nelson Fabiano e o jornalista Carlos Conde. Em participação especial, Dilma Corvo, irmã de Luiz Corvo, lembra como foi ver alguém da família transformar-se em parlamentar cassado e preso político.

O documentário recebeu o título de Farto de Solidão porque Luiz nunca foi de falar sobre seu passado político, ao contrário de outros militantes da esquerda, presos ou exilados, que tiveram suas histórias amplamente divulgadas.

‘‘A anistia de 1979 não resgatou os anos perdidos, não devolveu a vitalidade do jovem idealista e não reabriu as perspectivas que lhe foram esvaziadas. Oferecer a palavra a Corvo é uma forma de criar a oportunidade de ouvir aqueles que nunca foram ouvidos’’, registra a justificativa da produção.

‘‘Um dia contei para a minha filha essa parte da minha vida e ela ficou com isso na cabeça. Farto de Solidão torna pública a minha história’’, diz Luiz Corvo. Ele acredita que o filme, apesar de recontar uma lembrança pessoal, serve como registro da política brasileira e santista.

Eleição e cassação

Em 14 de setembro de 1963, aos 22 anos, Corvo foi eleito vereador em Santos pelo Partido Republicano, com 1.734 votos — apenas cinco a menos do que Fernando Oliva, o mais votado. Tomou posse em 1º de janeiro de 1964 e iniciou o exercício parlamentar em 27 de março.

Seu mandato durou 45 dias, porque em 6 de abril daquele ano foi cassado sob a alegação de ‘‘medida de salvação nacional pela sua integração nas forças que ameaçaram a segurança e a soberania nacional’’.

Em 1965, foi preso por quatro meses. Em entrevista a A Tribuna, por ocasião de homenagem prestada pela Câmara Municipal, 40 anos após sua cassação, Corvo declarou que, depois de ser preso e cassado, desiludiu-se da política, embora nunca tenha deixado de permanecer interessado pelo assunto.

Em 1966, após concluir a Faculdade de Direito em Santos, mudou-se para São Paulo, onde construiu carreira na Advocacia e fixou residência. ‘‘Naquela época, não era saudável viver em Santos. Se alguém desse um espirro em Brasília, eu poderia ser preso’’.

Corvo não guarda mágoa da terra natal, pelo contrário. Visita sempre a mãe e a irmã, que ainda vivem aqui, e tem contato com os amigos da infância, vivida na Rua São Francisco, e dos anos de estudante no Colégio Santista.

Um deles é o comerciante e ex-camarada de partido Aníbal Ortega Pereira da Silva, que também participa de Farto de Solidão. ‘‘Corvo era e é uma pessoa inteligente e capaz. Com 21 anos, foi eleito secretário do Partido Comunista Brasileiro, numa época em que a legenda reunia grandes operários e intelectuais. Nos três meses que permaneceu no cargo, desenvolveu um grande trabalho e revolucionou a forma de fazer política’’, relata Anibal.

Luiz Carlos Prestes Filho e Mariana Reade aproveitaram em Farto de Solidão, além dos depoimentos de personagens que viveram sob o regime militar, imagens da época cedidas pelo Arquivo do Estado, pela família Corvo, pela Cinemateca Brasil e pela TV Cultura. Na trilha sonora, o destaque é a canção Seu Moscou, de um compositor anônimo, militante do Partido Comunista.

A entrada para a apresentação de hoje é gratuita. O Teatro Municipal Brás Cubas fica na Av. Pinheiro Machado, 48, Vila Mathias.