Audiência debate redução do uso de crack

Encontro abordou diferenças entre metodologias

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Um aprofundado e elucidativo debate sobre redução de danos e a atenção ao usuário de crack - que jamais seria produzido em Santos, não tivesse à frente a vereadora e deputada estadual eleita Telma de Souza (PT) – realizado na sexta-feira (10/12/10), na Câmara, brindou os presentes esclarecendo as diferenças entre metodologias e concepções e mostrando como Santos involuiu no entendimento e atendimento ao problema.
 
Com a presença do deputado federal Paulo Teixeira (PT), autor da primeira lei nacional sobre redução de danos, e de Davi Benetti e Carolina Zaparoli, que atuam neste setor, em São Bernardo do Campo, o tema foi dissecado e expôs contrastes de forma determinante. De um lado, o acolhimento, uma abordagem humana e solidária, representada pela política de redução de danos. Do outro lado, o secretário de Ação Social de Santos, Carlos Teixeira, mostrou a concepção do governo atual. “A sociedade nos cobra muito a questão de higienização das ruas, a questão de tirar da frente o usuário”, afirmou em alto e bom som.
 
O debate remontou aos primeiros passos da redução de danos no Brasil, à época de Telma como prefeita de Santos. “Muita coisa aconteceu desde a época em que a gente começou a desenvolver o conceito de redução de danos. Realizamos um debate com juízes, que tinham uma posição preconceituosa. O nosso judiciário e a nossa imprensa eram retrógrados e atrasados, e eu sai do governo respondendo a um processo. Eu, o secretário de saúde, David Capistrano, e o médico Fábio Mesquita, quase fomos presos”, afirmou Telma, defendendo valores como clareza, acolhimento e solidariedade.
 
Ela se referia ao começo da política de redução de danos, quando Santos teve a iniciativa de distribuir seringas injetáveis a usuários de drogas a fim de evitar o compartilhamento deste material e a consequente contaminação pelo HIV, o vírus da Aids.
 
O exemplo de São Bernardo
O coordenador do programa de São Bernardo, Davi Benetti, foi didático. “A redução de danos não leva o serviço até o usuário. Ela é uma ponte entre o usuário e o serviço”, definiu. Em linhas gerais, em apontou as premissas do trabalho: a criação do vínculo com o usuário e o respeito à vontade da pessoa. “Fomos descobrindo que há jeito para lidar com isso e o jeito que nós temos é um jeito humano de lidar com as pessoas, de conversar, de sentar junto e escutar. A ferramenta principal é o acolhimento”, afirmou.
 
Para ele, a relação com os usuários é “um namoro que se tem que estabelecer para entender aquela realidade”. A equipe de rua esclarece quais são os serviços disponíveis e quando estes decidem, os técnicos fazem o encaminhamento e vão junto com a pessoa até a unidade indicada, onde se inicia a participação no programa.
 
Ainda segundo Benetti, na visão do programa adotado, a droga em si não é o problema. Não se busca a completa abstinência. “O problema é a divisão dos insumos, como canudos, o baseado que passa de boca em boca, e podem transmitir sífilis, herpes e todas as doenças sexualmente transmissíveis - DSTs. Tratar disso é muito mais caro do que fazer o trabalho da prevenção”.
 
Carolina Zaparoli, apoiadora da Saúde Mental, atuando especificamente em álcool e drogas - AD, esclareceu sobre como a questão vem sendo enfrentada tecnicamente e do ponto de vista da gestão. Em outubro de 2009 o prefeito Luiz Marinho (PT) editou uma lei criando um conselho e o Plano intersetorial de apoio às ações de prevenção, promoção, assistência e reabilitação às pessoas vivendo em uso abusivo de álcool e outras drogas.
 
“É um momento muito especial da gestão pública, em parceria com todos os outros setores da cidade, contando com quase todas as secretarias do governo e da sociedade civil. Não dá para ser realizado sozinho. As ações não podem ser separadas. É um esforço de construir conjuntamente esta política”, afirmou. Sem se identificar, um técnico na área, em Santos, disse que está é a grande dificuldade na cidade. As intenções emperram quando se trata de envolver outras secretarias.
 
Dentro do programa na cidade do ABC paulista, é o conselho que decide as políticas a serem adotadas para as pessoas em uso abusivo de AD. “Apesar de estar locada na saúde mental, entendemos que é um conselho que tem de gestar toda a política. No conselho estão reunidos os setores da educação, assistência, da segurança urbana, da infância e adolescência e outros. As estratégias partem deste conselho”.
 
Segunda Zaparoli, o grande desafio do setor é promover a ampliação do acesso e reverter a lógica do cuidado, de como as pessoas olham para as pessoas em abuso de AD. “O nosso usuário deve ser entendido como um sujeito de direitos, não como um imprestável, um cara que não sabe nada”, afirmou, acrescentando que há empenho em esclarecer o significado da política, a fim de não confundir a redução de danos com a liberalização das drogas e a conivência com o tráfico.
 
Ela defendeu a importância da intersetorialidade, uma vez que é necessário oferecer aos atendidos, diferentes possibilidades de cuidados, como em cultura, transporte, habitação e outros. “A Promotoria Pública pode contribuir, todo mundo pode ajudar”, disse. Ela esclareceu que o programa visa aquelas pessoas que não vão ao sistema de saúde e encontram-se em extrema vulnerabilidade.
 
“Tudo isso não é uma invenção da Prefeitura de São Bernardo, é uma política do Ministério da Saúde. O governo Lula vem investindo nesta questão. Para todas as iniciativas nós pudemos contar com o apoio do Ministério. Qualquer município pode acessar os editais que estão disponíveis”, afirmou. Conforme disse, desde o lançamento, pelo governo federal, do Plano de Erradicação de Álcool e Drogas – PEAD, ampliou-se a visão sobre o tema e este é o modelo adotado pelo secretário de saúde local, o santista Arthur Chioro. O debate foi rico em referências a técnicos forjados em Santos, tendo Telma e David Capistrano engajados na luta da saúde, da cidadania e dos direitos humanos.
 
O modelo português
O deputado federal Paulo Teixeira (PT) fez uma explanação consistente, dos pontos de vista antropológico, sociológico, político e econômico. Falou sobre como é comum em todas as sociedades o uso de drogas e a alteração da consciência. Do ponto de vista sociológico, abordou o país como uma sociedade em transição. “Estamos saindo da era industrial sem termos entrado corretamente, uma vez que nem todo mundo participa, com emprego e carteira assinada, e estamos indo para uma era de serviços”.
 
Segundo ele, a nossa escola foi feita para nos treinar para uma era e já estamos em outra, que exige outro tipo de trabalho e de formação. “Parte da confusão do tema drogas e o abuso está vinculado a esta transição. Tem uma sociedade da tecnologia e outra que não conseguiu entrar na escola, ou ter os seus direitos atendidos. Jorge Forbes, psiquiatra santista me ajudou a entender isso”, citou.
 
Conforme Teixeira, a questão das classes excluídas é importante para entender outros aspectos abordados: do ponto de vista político e econômico. “O mercado de drogas é altamente  capitalizado. Hoje é interessante trabalhar nele, porque se ganha relativamente mais. O mercado requer apenas uma coisa, coragem e risco”, analisa.
 
Ele avalia que a proibição potencializa a indústria do tráfico, capitaliza e gera violência. Trata-se de dinheiro que circula na economia formal e o tráfico ganha capacidade de atuar sobre o poder público, a polícia, o judiciário, o parlamento e a política.
 
Com base em pesquisas, ele analisou ainda a legislação atual sobre o tráfico, mostrando que usuários acabam superlotando presídios. “Da grande massa que se prende, 66% são réus primários, 14% usavam armas, 91% foram detidos em flagrante e 60,8% estavam sozinhos. A legislação de drogas está prendendo réus primários que agem sozinhos, desarmados, com drogas leves e que não recebem benefícios da lei”, esclareceu. Ele quis demonstrar como é cômodo para o traficante escalar pessoas, evitando por as mãos nas drogas, esquivando-se de prisão e processos. Ainda: no sistema prisional, primários tornam-se escolados, contraem dívidas e criam relações com o crime.
 
Para transformar esta realidade ele indicou o modelo de legislação e práticas adotados em Portugal. “Eles tiraram da órbita criminal o uso e o porte e puseram na órbita administrativa, diferenciaram quem é usuário de quem é traficante.  A pessoa que porta até certa quantidade não é traficante e tem pena administrativa, advertência ou alternativa para drogas leves. “Isto ampliou a possibilidade de redução de danos, permitiu a  testagem da qualidade das drogas usadas, aumentou o acesso ao tratamento de 6 mil para 24 mil; o núcleo de traficantes acusados diminuiu de 2.211 para 1.327 em oito anos, e caiu o registro de pessoas infectadas por HIV”. Ainda segundo ele, também caiu o número de mortes por overdose e houve a diminuição do uso entre jovens.
 
Outro dado importante: “Na medida em que eles fizeram o corte  entre traficante e usuário, eles descapitalizaram o mercado de drogas. Passou a ser desinteressante, um mercado que não emprega, não tem interesse em buscar as pessoas”, afirmou. “Sei que é uma posição minoritária, mas que a sociedade começa a discutir mais de frente”, analisou.
 
Em sua explanação, Teixeira deu os parabéns à Telma pela audiência. “A Telma pega o capital político e o prestígio dela e empresta a grandes temas. A política é feita para iluminar e você nos ilumina há muitos anos”, disse. Telma agradeceu a presença de todos e ofereceu a contribuição do debate aos técnicos santistas e interessados presentes.
  
Assessoria de Imprensa
Gabinete da Vereadora Telma de Souza (PT)