Homenagem marcada pela emoção

Cantora Leci Brandão recebe título de Cidadã Emérita de Santos por sua atuação na política, em movimentos ligados à raça negra, a defesa dos direitos humanos e ao sindicalismo.

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A Câmara Municipal de Santos entregou na última terça-feira, dia 13 de setembro, o Título de “Cidadã Emérita de Santos” à Leci Brandão, conforme Decreto Legislativo nº 10/2005.

A cantora e compositora Leci Brandão nasceu e foi criada nas proximidades de redutos do samba carioca, como a Portela, Vila Isabel e Mangueira.

Em 1968, Leci apareceu pela primeira vez para os telespectadores quando ganhou o prêmio “A Grande Chance”, da TV Tupi.  Foi a primeira mulher a integrar a Ala dos Compositores da verde-rosa (Mangueira), no ano de 72.

Atuação
Também teve atuação na política, em movimentos ligados à defesa dos direitos humanos e ao sindicalismo.

Marcou sua carreira internacional fazendo shows nos cincos continentes.

O vereador Manoel Constantino dos Santos (PMDB), autor da propositura, fez o discurso de saudação.

Gostaria de contar aqui, um pouco de sua história de luta e esperança. Leci vem de família humilde e guerreira. Nascida em Madureira, criada em Vila Isabel, nas proximidades dos redutos do samba carioca. A primeira mulher a fazer parte da ala de compositores da Mangueira.

Seus pais Antonio Francisco da Silva e Lecy de Assumpção da Silva, com muita sensibilidade conseguiram inconscientemente implantar em suas veias o amor à luta pelas desigualdades sociais.

Uma marca da infância foi quando Leci ganhou um concurso escolar de redação sobre o Equador e não levou o prêmio, acreditando haver ocorrido a discriminação, por ser filha da servente da escola.

Desde sua infância conviveu com lendas da nossa música, como Cartola, Donga, dona Zica e outros que muito contribuíram para o engrandecimento da cultura brasileira através do samba.

Mister se faz salientar que, Leci amadureceu, desenvolvendo uma potencialidade definida pela identidade própria de sua essência. Assim, Leci acredita que o sonho é fundamental para a construção das mudanças sociais. Sabe que as coisas na vida não são fáceis, mas que vale a pena insistir para mudar o estado das coisas.

Leci Brandão começou sua carreira no programa de calouros apresentado por Flávio Cavalcanti na TV Tupi, em 1968, onde venceu na categoria de compositora. Seu sucesso foi tanto que a TELERJ prometera promoção de cargo, como não ocorreu, Leci pediu demissão. Ainda no mesmo ano, convidada por Paulina Gama Filho, filha do Ministro Gama Filho, Leci fora trabalhar no Departamento Pessoal da Universidade e, em 1970 já atuava como sub-diretora do pessoal.

Ainda no ano de 70, Leci participou do primeiro Festival de música da Universidade, levando o prêmio de revelação e segundo lugar na classificação geral. Em 1972 ingressa na ala de compositores da Mangueira.
Leci gravou seu primeiro compacto simples no ano de 1974 e, em 1975, participou do Festival “Abertura”, da Rede Globo, onde foi finalista com o samba “Antes que eu volte a ser nada”, o que acabou lhe rendendo a assinatura com a gravadora Marcus Pereira e a gravação de seu primeiro LP.
Em 1976, assina contrato com a Polygram e grava o seu segundo LP.
Em 1977, Leci grava seu terceiro LP “Coisas do Meu Pessoal”.
Fato incrível, ainda nos seus primeiros degraus, em maio de 1978, Leci embarcava para a França, levada por Martinho da Vila. Em Paris, cantaram juntos no Teatro Morgador. Em dezembro, lança seu quarto LP “Metades”, dedicado aos Músicos Brasileiros.

Em 1980, lança o seu quinto LP, e ainda vence o Festival MPB 80 da Globo, com a música “Essa Tal Criatura”.

Para defender sua ideologia e sua música, Leci nunca mede esforços. Assim, por conta do forte conteúdo social e político de suas letras, em 1981, Leci pede demissão da Polygram, por não aceitar suas composições de temas sociais.

Leci passou cinco anos sem gravar. Continuou a compor temas sociais e a realizar inúmeros shows beneficentes em defesa dos excluídos. Nesse período, acentuou-se sua atuação política, ligada ao sindicalismo e aos direitos humanos.

No período em que Leci ficou sem gravar, apresentou-se diversas vezes no exterior: Japão, Dinamarca, Angola e Estados Unidos.
Por nove anos, Leci foi comentarista do carnaval do Rio de Janeiro, pela Rede Globo e, pela Rádio Cidade de São Paulo e Rádio Mania, ainda foi comentarista dos desfiles das escolas de Samba de São Paulo pela Rádio Transcontinental.

Em toda sua carreira, participou  de vários projetos, shows e festivais de MPB e samba, como o projeto Pixinguinha, ao lado de Joel do Bandolim e Grupo Chapéu de Palha. Tem participação em inúmeras faixas de CDs, como “Casa de Samba”, com a dupla Arlindo Cruz e Sombrinha; “Os Melhores do Ano”, em 1998, em conjunto com o grupo “Sem Compromisso”, com Jovelina Pérola Negra e Almir Guineto; “Os Melhores do Ano”, de 99, com o grupo “Sensação” e, no ano de 2000, com os grupos “É De Mais” e “Os Morenos”. Tem também participação no CD do conjunto “Demônios da Garoa”, e no CD “19 Anos da Rádio Transcontinental”, com o grupo Art Popular. Leci comandou o programa Universidade do Samba, pela Rádio Mania FM, do Rio de Janeiro e, participou de gravações com Zeca Pagodinho, Jorge Aragão e Fundo de Quintal.

Representando Chiquinha Gonzaga, Leci já desfilou na Comissão de Frente da Mangueira e estreou como atriz na novela Xica da Silva, interpretando a personagem Severina. Em 1990, lança o premiadíssimo “Cidadã Brasileira” e recebe dois prêmios SHARP.

Em 2001, Leci foi convidada a participar do Fórum Social Mundial, realizado em Porto Alegre. Foi a primeira mulher a fazer uma produção musical para a Rede Globo na série Brava Gente/Histórias de Carnaval.

Depois de assinar contrato com a gravadora Copacabana, ela grava mais um LP, o vitorioso “Leci Brandão”.  Seu sétimo LP é dedicado a Yansã, seu orixá protetor, que teve como destaque, as músicas: “Só quero te namorar” e “Me perdoa poeta”, um samba em homenagem aos sambistas de São Paulo. Seu oitavo LP teve a música “Olodum Força Divina” que estourou em todo Brasil.

Com tanto sucesso, Leci recebeu o seu primeiro disco de Ouro. Leci grava seu 9º LP “As Coisas Que Mamãe Me Ensinou”. Em seu décimo primeiro LP, “Comprometida”, Leci foi buscar o folclore brasileiro e, em “Anjos da Guarda”, seu décimo-quarto trabalho, dedicou aos professores e educadores do Brasil, assim como à Zumbi dos Palmares e aos cidadãos negros do país. No LP “Somos da mesma tribo”, seu décimo-quinto trabalho, reverencia todas as mulheres trabalhadoras e fala dos meninos de rua. Por questões ideológicas, o trabalho não foi aceito pela mídia. Dois anos depois, Leci grava seu décimo-sexto trabalho “Auto-Estima”, lançado pela gravadora TRAMA. Após mais dois anos, Leci grava o décimo-sétimo trabalho da sua carreira “Eu Sou Assim”, sendo o primeiro CD ao vivo, com regravações de vários sucessos e so segundo pela gravadora TRAMA.

Em 2002, Leci estava em São Paulo, quando lhe veio uma idéia: ”filha de dona Lecy, mulher do meu coração”. Saiu, escreveu a letra toda e depois, veio a melodia. Desta forma, Leci Brandão demonstrou imensa gratidão pela sua genitora, dando o título: “A Filha da Dona Lecy”, ao CD em que Leci homenageia os 80 anos de sua mãe, sendo este seu décimo nono álbum.
O brilhantismo de sua carreira reflete-se na série de honrarias e títulos já recebidos: Cidadã Paulistana; Medalha Pedro Ernesto, da Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro;

Medalha Cruz e Souza, da Câmara Municipal de Florianópolis, Santa Catarina; a Comenda de “Zumbi dos Palmares”, do Governo de Alagoas; Cidadã Matogrossense; o Brasão da Cidade de Pelotas, Rio Grande do Sul; Título de Cidadã Bernardense, chegando ao Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, Órgão do Ministério da Justiça.

A relação de Leci com a nossa cidade se efetivou com a sua participação nas instituições religiosas que festejam Yemanjá, com o apoio da Secretaria Municipal de Cultura. Esta festa a partir de 2003 consta do calendário oficial da cidade, em virtude de Lei de autoria deste Vereador.

É sabido que o convite para participar da festa, foi feito a Leci por um filho de santo do Ilé Asé Odé Omi Fon do saudoso Babalorixá Vivaldo Pires de Carvalho, através da jornalista Claudia Alexandre, prontamente aceito pela homenageada. A partir daí, a presença de Leci tem sido constante em todas as festas dedicadas a Yemanjá, demonstrando imensa fé nesse orixá da religião afro-brasileira. A sua presença contagia a todos que participam das homenagens, pois Leci desfila na procissão com invejável animação, entoando as cantigas dedicadas à mãe de todas as cabeças com visível alegria.

É fato notório que o sucesso de Leci Brandão advém do seu trabalho honrado, destemido e da grandeza de sua fé.

Na verdade, a população santista é que deve se sentir privilegiada por poder contar com a visita desse magnífico ser humano, dotado de um talento esplêndido para a música, que com seu carisma, reserva o dia 02 de fevereiro de todos os anos na sua disputada agenda, para visitar a cidade e emprestar o seu prestígio à louvação a Yemanjá.

Merece menção o fato de Leci, na maioria de seus trabalhos, prestar homenagem a todos os deuses da religião afro-brasileira, o que faz como forma de agradecimento pelas graças obtidas.

Leci merece os aplausos de todas as religiões, pois, apesar de ser adepta do candomblé, sempre agiu com muita discrição, solidariedade e amor ao próximo.
O Título de “Cidadã Emérita de Santos” cabe-lhe muito bem, como forma de retribuir todo o amor que Leci Brandão demonstra por nossa cidade.

Em 2003, Leci sentiu-se lisonjeada ao receber o Convite da Ministra Matilde Ribeiro para integrar o Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial, órgão ligado à Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, da Presidência da República.

Para Leci, a política do artista tem que ser a arte sem ocupar o parlamento e, fazendo parte do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial, estaria dando mais um passo para mudar a situação de exclusão dos brasileiros.
Como representante do Conselho Nacional da Igualdade Social, Leci Brandão fez o discurso de abertura da 1ª Conferência Nacional da Igualdade Racial, em Brasília, onde solicitou que o governo mantenha o status de ministério da secretaria que trata da questão racial, sendo aplaudida de pé por mais de 3.000 convidados e conferencistas.

Em 2004, Leci Brandão canta no Show pelos 450 anos da Cidade de São Paulo e no Show pelos 500 anos da Cidade de São Francisco do Sul, em Santa Catarina.

Se o filósofo Michel Foucault vivesse por esta ocasião, com certeza teria se inspirado nesta notável Leci, para expressar seu pensamento: “O sábio estima a todos, pois reconhece o que há de bom em cada um e sabe como custa fazer algo bem feito”.

Nossa Leci é exatamente assim: a essência de um ser brilhante, imutável, sempre idêntica a si mesma, perfeita, imaterial e com o espírito guerreiro de luta, pelas causas dos direitos humanos e das minorias.

Num futuro próximo, nossa grandiosa homenageada Leci Brandão viverá o pensamento do filósofo alemão Hegel: “Wisen ist was gewisen ist”, que diz o seguinte: Minha essência está no passado”.

Sim, porque hoje, ela vive em conformidade com o pensamento do filósofo Sartre: “o que importa não é saber o que fizeram de nós e sim, o que fazemos com o que quiseram fazer conosco”.

Quero finalizar a minha fala, passando a vocês um trecho de uma canção de Leci “Com toda essa gente”, quando diz: ...”Eu quero ouvir de novo a voz do meu povo que traz o suor. A esperança vadia de ter algum dia uma vida melhor”. Através deste seu canto, Leci reflete os caminhos de uma brasilidade, de uma Leci que faz a festa da palavra marginal, da mulher negra consciente com os sons das diferentes tradições culturais que nos formam. Se a cultura é a identidade de um povo, aqui celebramos esta identidade, representada por uma grande mulher que cumpre o papel e a função de sua arte, que é conscientizar, educar e transformar.

Hoje, vamos aplaudir de pé, uma trabalhadora pelos direitos dos excluídos de todas as cores deste Brasil, a cantora, compositora, artista, cidadã brasileira: Leci Brandão.

Leci, obrigado pela sua pulsante contribuição na construção de uma sociedade melhor!

Quero lembrar a todos que 12 de setembro é a data de nascimento de Leci Brandão! Parabéns a Leci, nesta data querida....

 


                            VEREADOR MANOEL CONSTANTINO
Santos, 13 de setembro de 2005.