19/11/04 - Pronunciamento do vereadora Suely Morgado

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A população de Santos deve orgulhar-se de comemorar o Dia da Consciência Negra, porque nossos antepassados foram responsáveis por transformar a nossa cidade em um dos principais redutos do movimento abolicionista no país. Santos mostrou ao resto do Brasil a capacidade de resistência e de luta dos negros e a força da solidariedade e o espírito de justiça de nosso povo.


68 anos antes da Lei Áurea, um santista ilustre já se manifestava publicamente contra o regime escravocrata. José Bonifácio de Andrada e Silva possuía uma chácara e recusava-se a utilizar mão-de-obra escrava. Ele propunha que os proprietários agrícolas contratassem agricultores europeus.


Em 1823, ele encaminhou à Assembléia Constituinte do Império uma representação contra a escravatura, na qual dizia: “É tempo, e mais que tempo, que acabemos com um tráfico tão bárbaro e carniceiro, é tempo também que vamos acabando gradualmente até os últimos vestígios da escravidão entre nós, para que venhamos a formar em poucas gerações uma Nação homogênea, sem o que nunca seremos verdadeiramente livres, respeitáveis e felizes”.


Embora muito criticadas inicialmente, as idéias de José Bonifácio de importação de agricultores europeus acabaram sendo colocadas em prática por alguns donos de terras, tanto que, de 1829 a 1840, milhares de colonos vieram para o Brasil, e, mais tarde, essa prática tornou-se política de governo no reinado de D Pedro II.


Com o advento da Revolução Industrial na Europa, a Inglaterra e outras potências da época passaram a pressionar outros países para que fosse extinto o tráfico internacional de escravos. O governo imperial brasileiro resistiu a essas pressões até 1850, quando finalmente foi proibido o tráfico de negros.


Ainda assim, o movimento abolicionista só viria a ganhar impulso com o término da guerra do Paraguai, vinte anos depois. Milhares de escravos que retornam da guerra vitoriosos, se negam a voltar à condição anterior, rebelando-se contra seus antigos senhores. Logo em seguida, em 1871, é promulgada a Lei do Ventre Livre, que dá liberdade aos filhos de escravos.


Em 1880, políticos e intelectuais, como Joaquim Nabuco e José do Patrocínio, criaram, no Rio de Janeiro, a Sociedade Brasileira contra a Escravidão, o que fez com que muitas outras associações semelhantes fossem formadas. Em Santos, o movimento abolicionista cresceu rápido. Inicialmente, os militantes faziam campanhas de arrecadação de fundos para o pagamento de cartas de alforria e lançavam publicações defendendo o movimento. 


Um grupo formado por Francisco Martins dos Santos, Américo Martins dos Santos, Xavier Pinheiro e outros abolicionistas, ricos comerciantes e integrantes de famílias tradicionais,  decidiu criar um reduto onde ficariam os escravos fugidos das fazendas.  Até então, os fugitivos eram abrigados nos quintais e porões das casas dos abolicionistas. Uma área no Jabaquara, cercada por mata virgem, seria o local para o futuro quilombo. Faltava escolher alguém que pudesse responsabilizar-se pela defesa dos escravos e a manutenção da ordem. Chegou-se ao nome de Quintino de Lacerda, cozinheiro dos republicanos Antonio e Joaquim de Lacerda Franco, que aceitou o convite e foi empossado como chefe do quilombo.


Já Antonio Bento, advogado e sucessor de Luiz Gama na defesa dos direitos dos escravos, encarregava-se de estimular a fuga em massa das fazendas do interior e conduzir os fugitivos para Santos. Em poucos meses, o quilombo do Jabaquara já contava com cerca de duzentos ex-escravos, fortemente armados e prontos para resistir a qualquer ataque dos fazendeiros.


Logo, um outro quilombo foi formado em Santos, desta vez na região conhecida hoje como Vila Matias, mais exatamente onde é a atual sede da CET. Ali, os ex-escravos, chefiados pelo Pai Felipe, um rei africano, trabalhavam no corte de madeira para lenha e construção e na fabricação de chapéus de palha.

Um terceiro quilombo foi criado posteriormente em nossa cidade, liderado por José Teodoro dos Santos Pereira, conhecido por Santos Garrafão, um entusiasta do movimento abolicionista, que se dedicava a fornecer comida, roupas, medicamentos e assistência médica aos escravos e a arrecadar fundos entre os comerciantes para a luta contra a escravidão. 


Santos transformou-se em um símbolo de solidariedade à comunidade negra, representado pelo apoio decisivo da população à luta dos escravos. Em dado momento, a campanha abolicionista misturou-se à causa republicana e o Exército, descontente com o Império, pediu publicamente para não ser utilizado mais na captura de escravos. 


Acuado, o governo cede mais um pouco e promulga em 1885 a Lei Saraiva-Cotegipe, que permitiu a libertação dos escravos com mais de 60 anos; na verdade, uma legislação de poucos resultados práticos, visto que pouquíssimos escravos conseguiam atingir essa idade.


As críticas ao  Segundo Império pela manutenção do regime escravocrata tornam-se ainda mais acirradas, inclusive no âmbito internacional. Em 13 de maio de 1888, o governo imperial rende-se às pressões, e a Princesa Isabel assina a Lei Áurea, que extingue a escravidão no Brasil. A decisão desagrada aos fazendeiros, que exigem indenizações pela perda de seus "bens". Como não as conseguem, aderem ao movimento republicano, deixando D. Pedro II isolado.


Infelizmente, a libertação da escravatura não representou mudanças significativas no dia a dia dos negros. Sem formação escolar, formação profissional, moradia e apoio social, os ex-escravos continuaram dependentes e impossibilitados de ascender socialmente.


Daí, as desigualdades sociais que vemos hoje em nosso país, onde os negros continuam enfrentando enormes dificuldades para completar seus estudos e alcançar postos de relevância na sociedade. Temos ainda que trabalhar muito para que sejam eliminados os preconceitos e a marginalização social impostos à comunidade negra.


Mas, ao relembrarmos o passado de Santos, vimos que negros, mestiços e brancos, de diferentes posições sociais, uniram-se para conquistar a liberdade dos escravos. Solenidades como a de hoje, em homenagem ao Dia da Consciência Negra, nos fazem refletir que é preciso seguir o exemplo de nossos antepassados e resgatar o espírito de fraternidade e de luta, e darmos as mãos para que possamos ter uma sociedade mais justa e igualitária.


Juntos, parlamentares, entidades da comunidade negra, simpatizantes do movimento negro e o conselho da comunidade negra, teremos o vigor necessário para mudar o quadro de exclusão dos negros e de seus afrodescendentes.


Muito obrigada,

 

Suely Morgado Silva Santos (PT)