14/09/04 - Pronunciamento do Uriel

Compartilhe!

Curtir

Exmo. Sr. Vereador Odair Gonzalez, DD. Presidente da Câmara Municipal de Santos.

Exmo. Sr. Luiz Rodrigues Corvo, nosso ilustre homenageado

Demais integrantes da Mesa Diretora

 

Camaradas,

Minhas senhoras e meus senhores.

 

Normalmente, eu não teria um discurso pronto. Os que me conhecem sabem disso. Mas, hoje é um dia especial e tive muito receio de que a emoção causasse-me falta de palavras. Por isso, peço licença para me utilizar de uma prática alheia ao meu temperamento.

 

Há 40 anos atrás – neste mesmo plenário onde nos encontramos hoje – brilhava um jovem e promissor político cujos ideais foram forjados – em parte – pelas lições que recebia dos grandes homens que viveram nesta terra.

Tinha – evidentemente – a indignação própria da juventude, que colocava a serviço de ideais maiores.

Era dono – e acredito que ainda hoje o é – de inteligência e perspicácia sem iguais.

Ficou nesta Casa apenas 44 dias. Curto período no qual travou embates memoráveis, que, não raras vezes, deixavam em dificuldades os velhos políticos da época.

Com apenas 22 anos era capaz de enfrentar – de igual para igual – os representantes da elite, tamanha sua consciência de cidadão e tamanha sua responsabilidade e firmeza de princípios.

Princípios esses que adquiriu no seio de sua família, em primeiro lugar. Uma família estruturada que lhe ensinou os altos valores humanos. Filho do Senhor José Luiz Rodrigues Corvo e de Dona Maria da Encarnação Corvo – que se encontra aqui, acompanhando mais uma conquista de seu filho, soube honrá-los e respeitá-los com sua conduta exemplar.

Sinta-se, também a senhora, Dona Maria da Encarnação, recebendo reconhecimento desta Casa.

Dona Dilma Corvo Meireles, sua irmã, também presente, que tantas lutas desenvolveu em defesa de seu irmão, receba também nosso reconhecimento.

Mas, eu não poderia deixar de citar, que, em segundo lugar, Luiz Rodrigues Corvo adquiriu sua consciência por meio de outros ensinamentos transmitidos por homens como Arlindo Alves Lucena, Antonio Bernardino dos Santos, Odon Pereira da Silva, Dante Leonelli e José Félix da Silva.

Esses são apenas alguns dos que queremos destacar, pois seria interminável a lista daqueles que legaram sua herança de lutas e de sangue derramado pelo povo deste país que, contemporâneos ou não a Luiz Rodrigues Corvo, influenciaram tantas gerações.

A eles, a Câmara de Santos e o PCB também prestam sua homenagem ao homenagear Luiz Rodrigues Corvo.

 

Cada parlamento – seja qual for a esfera em que se encontra –   representa seu povo. Seus integrantes têm a honra de servirem como porta-vozes das aspirações, dos anseios, dos sonhos, da população. Temos, como vereadores, inúmeras obrigações por conta dessa confiança que nos foi dada.

Entre essas obrigações, devemos render nossas homenagens àqueles que dignificam nossa gente e a iniciativa de prestar essa homenagem ao Luiz Rodrigues Corvo nada mais é do que tentar reparar uma enorme injustiça cometida no passado.

Muitos homens passaram por esta Casa. Muitos homens passaram por meu partido. Nem todos deixaram marcas positivas. Alguns, sem dúvida, merecem esquecimento. Mas, outros precisam ser lembrados a cada instante, pois são verdadeira inspiração para seguirmos em frente. Quando relembramos seus feitos estamos renovando nossas forças.

 

Luiz Rodrigues Corvo é um desses homens que não podemos esquecer e para justificar essa afirmação, basta que conheçamos um pouco mais sua trajetória política.

Corvo foi eleito em outubro de 1963, pelo Partido Republicano, hoje extinto. Na época, o Partido Comunista Brasileiro se encontrava na ilegalidade e o PR abrigou nossos representantes. Para conseguir concorrer, foi preciso combater o pedido de impugnação de sua candidatura porque as forças políticas reacionárias estavam de plantão para impedir o avanço dos verdadeiros representantes do povo.

Além de ter sido o mais jovem vereador escolhido pela cidade ao longo da sua história, Corvo foi o mais votado na área metropolitana do município. Recebeu 1.734 votos e acabou em segundo lugar, por uma diferença de apenas cinco votos.

Começou a trabalhar aos 16 anos de idade. Foi repórter, redator sindical e chefe de reportagem do jornal "O Diário". Atuou, como repórter sindical, na sucursal santista do jornal "Última Hora" e no semanário "O Expresso".  Essa atividade valeu-lhe forte relacionamento com o então poderoso movimento sindical da Baixada Santista, relacionamento esse que foi reforçado quando deixou o jornalismo e, como estudante de Direito, passou a trabalhar no escritório do advogado Dante Leonelli, que atendia a mais de 20 sindicatos operários da cidade.

Na ocasião em que foi eleito, Corvo estava cursando o 4º ano do curso de bacharelado da Faculdade Católica de Direito de Santos.  Antes, fizera o curso clássico no Instituto de Educação Canadá, o ginásio no Colégio Santista e o primário na Associação Instrutiva José Bonifácio.

Pertenceu à diretoria do Grêmio São Luís – do Colégio Santista, foi vice-presidente do Grêmio Vicente de Carvalho – do Instituto de Educação Canadá. Exerceu os cargos de diretor de cultura e divulgação do Centro dos Estudantes de Santos e de diretor da campanha da sede própria do Centro Acadêmico Alexandre de Gusmão – da Faculdade Católica de Direito. Presidiu a Associação Recreativa Mercado, de futebol de várzea. Venceu o I Torneio Literário Penas de Ouro com monografia a respeito do Descobrimento do Brasil. Organizou o Primeiro e Segundo Congresso Estudantil Regional do Litoral Paulista, a Primeira Convenção Contra a Carestia de Vida e a Primeira Convenção em Defesa da Escola Pública, Universal e Gratuita.

Como se percebe, sua atividade política era intensa e sua liderança manifestava-se desde cedo.

Ao assumir sua cadeira, nesta Casa, em 1º de janeiro de 1964, foi escolhido para membro da Comissão de Justiça e Redação. Antes, porém, tentou impedir uma manobra política que envolvia a eleição para a Mesa Diretora. Permita-me lembrar-lhe, nobre vereador Luiz Rodrigues Corvo, que Vossa Excelência denunciou o esquema que “desservia” a democracia. Foi sua primeira manifestação oficial nesta Casa.

Em seguida, na mesma sessão de posse, foi o senhor, nobre vereador Luiz Rodrigues Corvo, autor de uma convocação extraordinária para que naquele mesmo dia, a Casa se reunisse para tratar de dois graves problemas que afligiam a população: o aumento nas tarifas dos bondes e ônibus da então SMTC e do veto parcial do Executivo ao projeto de lei que concedia subsídios da ordem de 40 milhões de cruzeiros para garantir o reajuste dos empregados da Santa Casa de Santos que, meses antes, estavam com suas atividades paralisadas.

Vossa Excelência sabia que era importante trabalhar desde o primeiro dia e, mais do que isso, que era urgente resolver tão graves problemas que afligiam diretamente à população santista, que tanto o senhor ama.

Depois, Luiz Rodrigues Corvo esteve à frente de um grupo que se articulava para combater as forças reacionárias não somente na Câmara Municipal, mas em toda a cidade: a Frente de Mobilização Popular.

Foi também integrante do Bloco de Ação Independente, grupo de 10 vereadores que dava cobertura a todas as medidas que beneficiavam o interesse coletivo, independentemente de cor partidária.

Vossa Excelência travou durante três horas, em sessão realizada no mês de fevereiro de 1964, um debate memorável contra um requerimento que enaltecia a ação do DOPS – Departamento de Ordem Política e Social – e encarecendo que fosse intensificado o combate à infiltração comunista.

Luiz Rodrigues Corvo não podia deixar que tal propositura – em tese representando o pensamento de toda a cidade de Santos –pudesse prosperar.

Todos conhecemos as ações desse departamento e não convém, nessa atividade festiva, nos reportarmos a isso e sequer ao autor da proposta.

Luiz Rodrigues Corvo esteve aqui para defender os ideais de liberdade desta terra e permitam-me reproduzir uma parte de seu discurso:

 

“No momento em que os homens públicos sentem falida a sua condição de representar aqueles que o elegeram; no momento em que não têm mais nada a dizer ao povo; no momento em que a vida coloca novos problemas à sua frente, sofrem derrotas por se negarem a ver a realidade nacional. Então ficam desesperados pelas derrotas sucessivas. Dizem-se democratas – apregoam aos quatro cantos – mas defendem somente os privilégios existentes e os que recebem.

Esses homens, na falta de programas a apresentar ao povo e em seu benefício, trazem para o Plenário das Câmaras Municipais,das Assembléias Legislativas, para as Câmaras Federal e Senado, trabalhos como estes, inteiramente inócuos, contraproducentes, que nenhum benefícios traz ao povo.

O documento que foi lido, como tantos outros forjados para criar condições políticas a fim de que a ala direita no país possa dar o golpe reacionário, para que seus privilégios sejam mantidos. Sabem perfeitamente que com a continuidade democrática do país, aos poucos seus privilégios estarão terminados.

Dizia Castro Alves que os legisladores fizessem leis para o povo senão a multidão desrespeitaria as leis caducas e, dentro do regime democrático, serão postas abaixo. Sem a necessidade de mudar o regime, as reformas serão feitas. E Vossas Excelências serão apeados de seus privilégios.”

 

E continuou:

 

                “O DOPS faz um trabalho única e exclusivamente de cagoetagem. Vai um cidadão a um comício, como fui a um em que falei representando os sindicatos, em que opinei em nome dessas entidades, traduzindo seu pensamento, e anota, dando ‘informações confidenciais’; confidenciais porque a mentira, a calúnia e a infâmia só vingam quando ficam fora da luz do dia. Quando a discussão é à luz do dia, elas morrem. Além do mais, já dizia em 1953 a Seção da Ordem dos Advogados do Brasil, que não se pode conceber um regime democrático onde o direito à palavra, à livre expressão do pensamento, o direito do próprio pensamento, à ideologia política, não seja permitido. Aí estão os defensores da democracia. Não pode, num regime como este, haver uma polícia que tenha por único objetivo fiscalizar a atitude ideológica do cidadão”.

 

O requerimento, felizmente foi rejeitado mas, como se percebe, sua trajetória nesta Casa foi marcada por uma perseguição constante daqueles que não aceitavam as posições democráticas e o combate aos privilégios.

Nesse mesmo mês de fevereiro de 1964, Luiz Rodrigues Corvo foi envolvido numa verdadeira “armação” promovida por seus adversários políticos; homens que não tiveram dignidade de honrar o voto popular recebido e que ocupando um cargo na Câmara Municipal de Santos usavam de manobras mentirosas, subterfúgios para impedir o avanço da democracia, na ocasião, tão bem representada por Corvo neste plenário.

Felizmente, Vossa Excelência saiu engrandecido da manobra política sórdida em que tentaram envolvê-lo. Não vale à pena citar o nome do responsável por tamanhas calúnias.

Da mesma forma, tentaram envolvê-lo e indispô-lo contra os movimentos populares convidando-o a ser candidato a vice-prefeito numa chapa reacionária que pretendia concorrer ao Executivo municipal no ano de 1965.

No mês de março, quando o vereador Corvo era exaltado pela imprensa local como o melhor edil da nova legislatura, mais uma vez, Vossa Excelência foi alvo da maldade política expressa em panfletos apócrifos espalhados pela cidade. Nessa época, Corvo desenvolvia uma campanha ferrenha contra os donos das escolas particulares que haviam anunciado aumento escorchantes em suas taxas e mensalidades, em flagrante desrespeito a um decreto assinado pelo então presidente da República, senhor João Goulart.

 

Poderíamos citar aqui outros episódios que marcaram a sua passagem por esta Casa e que mais do que justificam a homenagem que ora lhe prestamos. Tenho certeza de que para seus filhos e netos, para toda a sua família e para todos os santistas sua trajetória é motivo de muito orgulho.

Em abril de 64, esta Casa lhe negou todas as prerrogativas regimentais e constitucionais. Cassou-lhe um brilhante mandato e frustrou a expectativa não apenas daqueles que lhe honraram com o voto nas eleições de outubro do ano anterior, mas também de toda a população que reconhecia em suas atitudes a coerência e a firmeza de caráter.

Nesta Casa – que se dizia herdeira dos ideais democráticos de José Bonifácio; nesta Sala – que tem o nome da Princesa Isabel, autora da lei que determinou o fim de um dos mais negros períodos da história deste país – a Vossa Excelência foi negado o mais precioso direito do ser humano.

Isso, não poderemos reparar jamais!

Ao homenageá-lo neste dia, queremos que a Câmara de Santos reconheça esse erro. Marcamos, ao mesmo tempo nossa posição: não permitiremos que esses eventos voltem a acontecer.

Me sinto herdeiro de sua luta, de seus passos. Tenho muito orgulho – e falo em nome de todos os meus camaradas – de vê-lo ocupar, novamente, um lugar nesta Casa, de onde – tenho certeza – se não fossem os acontecimentos que impediram o avanço democrático em nosso país – Vossa Excelência teria partido para vôos políticos muito mais altos.

É por isso que sinto minha responsabilidade aumentada. A de continuar seguindo seus ideais e, de certa forma, de continuar a desenvolver seu programa político que sempre se baseou nos anseios da população.

Vossa Excelência, nobre vereador Luiz Rodrigues Corvo, saiba, que esse é o meu compromisso e o compromisso do Partido Comunista Brasileiro nesta cidade que nos inspira e nos honra.

Jamais deixaremos de lutar pelos ideais democráticos, pelo bem-estar de nosso povo e para que todos possam ter voz nesta Casa, mesmo diante das forças reacionárias que, infelizmente, ainda tentam manter seus privilégios neste país.

Jamais deixaremos de lado a indignação frente às injustiças. Assim como um admirador seu, contemporâneo de Vossa Excelência, manifestou seu pesar pelo ato de exclusão que lhe imputaram. Peço licença, neste momento, para chamar nosso grande companheiro Vasco, que lerá um fragmento da poesia Lavínia, de Roldão Mendes Rosa, escrita logo após sua cassação.

Receba, portanto, Vossa Excelência, o carinho dos membros desta Câmara, dos camaradas do Partido Comunista Brasileiro, da população da cidade de Santos.

Todos nós temos um grande compromisso para consigo.

 

Vereador Uriel Villas Boas (PCB)