A qualidade do atendimento em saúde mental no município de Santos e a necessidade de melhorar a oferta de serviços e a articulação de políticas nessa área foram debatidos em audiência pública na Câmara Municipal na manhã desta segunda-feira, 19 de maio. Na véspera, 18 de maio, foi celebrado o Dia Nacional da Luta Antimanicomial.
Entre as deficiências do atendimento, os participantes do evento destacaram a falta de infraestrutura adequada e a redução das equipes, problemas que prejudicam seriamente o funcionamento dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps).
Para o professor da Unifesp Roberto Tykanori Kinoshita, um dos integrantes da mesa, esses problemas são reflexo de uma decisão política, que leva o poder público a não fazer o que é necessário na saúde mental. "Se tem muitos pacientes e poucos profissionais para atender, os Caps acabam se tornando ambulatórios disfarçados", exemplificou.
"Saúde mental não deve ser uma questão política, ideológica; deve ser uma questão da sobrevivência humana", acrescentou Jorge Viana, membro da diretoria executiva do Conselho Municipal de Políticas sobre Drogas (Comad) e da liderança da Frente de Luta Antimanicomial, que também integrou a mesa.
"Ampliar a política"
A secretária municipal adjunta de Saúde, Paula Covas, assegurou que os serviços da saúde mental não serão terceirizados no município. Ela observou que a pandemia de covid-19 amplificou os problemas de saúde mental e que novas demandas nessa área continuam surgindo. Segundo a secretária, porém, há muito potencial para melhorar o atendimento a partir, por exemplo, de parcerias com outras políticas, como a de atenção primária à saúde.
"Precisamos pensar em novos dispositivos que atendam à demanda da população", afirmou. "O Caps é o equipamento que vai atender essas pessoas? Se for, o que precisa ser feito para que possa atender"
A diretora do Departamento de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde, Dorian Rojas, reconheceu os problemas e dificuldades enfrentados, mas apontou avanços recentes, como a habilitação pelo Ministério da Saúde do Caps infanto-juvenil (Caps Entrementes).
Além disso, a Prefeitura de Santos solicitou ao governo federal a inclusão de um Caps-Ad 24 horas (para drogadictos) no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). A unidade seria construída na Zona Noroeste. "É preciso criar espaços de saúde mental; ampliar a política para além dos Caps, que fazem um trabalho fundamental nesta cidade", disse Dorian.
Depoimentos
A audiência contou ainda com os depoimentos de várias pessoas que passaram pelos serviços de atendimento em saúde mental, bem como de técnicos, conselheiros, estudantes em residência médica e representantes de movimentos sociais.
Eles denunciaram a persistência de abusos e de desrespeito aos direitos dos pacientes, a falta de fiscalização sobre o trabalho de entidades que atuam na área e do controle da aplicação de recursos públicos, entre outras questões.
"Ficou demonstrado que precisamos avançar muito; temos uma cidade que é rica em seu orçamento, mas que emprega mal suas verbas", disse a vereadora Débora Camilo (Psol), que convocou e presidiu a audiência.O movimento pela reforma do sistema psiquiátrico brasileiro, inclusive com a extinção dos famigerados manicômios, vinha desde os anos 70. Em 2001, foi promulgada a Lei da Reforma Psiquiátrica, conhecida como Lei Paulo Delgado (10.216/2001), com o objetivo de garantir direitos de pacientes com sofrimentos mentais, priorizando o tratamento através da reinserção na família, no trabalho e na comunidade.
Ainda hoje, porém, o movimento antimanicomial luta para romper preconceitos e eliminar procedimentos médicos que, além de segregar os pacientes, são considerados práticas de violência e tortura. Esses procedimentos configuravam a rotina dos antigos manicômios, como no famoso Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena, em Minas Gerais, conforme relatado no livro-reportagem Holocausto Brasileiro, da jornalista Daniela Arbex.