A violência contra a mulher e o feminicídio foram temas de audiência pública que reuniu especialistas e representantes do poder público na Câmara de Santos na sexta-feira, 27 de junho. No sábado, 28, foi realizada na Universidade São Judas a Conferência Municipal da Mulher, a fim de escutar as demandas da população para formular políticas mais eficazes.
O vereador Marcos Caseiro (PT), que convocou e presidiu a audiência na Câmara, destacou a urgência do debate, motivado por um caso recente e chocante de feminicídio em Santos. No início de maio, Amanda Fernandes Carvalho foi morta a tiros e facadas pelo marido, o sargento da Polícia Militar Samir Rodrigues Carvalho, dentro de uma clínica médica no bairro do Marapé.
Caseiro apresentou dados segundo os quais a cada 17 horas uma mulher morre no Brasil em razão de seu gênero, sendo 75% dos crimes cometidos por pessoas próximas. O vereador também ressaltou que as mulheres negras são as maiores vítimas e que, no primeiro trimestre, houve um recorde de 226 feminicídios no país.
A advogada Renata Salgado Leme, professora e autora do livro "Direito e Saúde da Mulher", abordou a evolução jurídica do tema no Brasil, com destaque para a Lei Maria da Penha (2006) e a Lei do Feminicídio, que tipificaram diversas formas de violência. No entanto, ela enfatizou que, apesar do avanço legislativo, a sociedade brasileira mantém uma estrutura patriarcal, o que leva ao aumento das estatísticas de violência. “A lei não muda a sociedade, o que muda a sociedade é a conscientização, a educação, a mudança de mentalidade”, afirmou.
Renata apontou a necessidade de uma análise interseccional da violência, que considere fatores como raça, escolaridade e condição socioeconômica. A advogada acrescentou que a violência contra a mulher impacta profundamente a saúde mental das vítimas, levando a depressão, ansiedade e até tentativas de suicídio.
Conscientização
Carolina Galvanesi, da Comissão de Direito Médico e de Saúde da OAB Santos, defendeu a implantação de ações preventivas e educativas e enfatizou que a mudança deve partir dos municípios, com iniciativas que promovam o respeito e a igualdade desde a infância.
Larissa Paz, coordenadora municipal de Políticas para a Mulher, apresentou as iniciativas da Prefeitura, como a criação da Secretaria da Mulher (2022), a formação de um grupo técnico para o enfrentamento da violência doméstica e a inauguração da Casa da Mulher, com serviços de capacitação e atendimento de psicologia, que será oferecido em parceria com a Universidade São Judas.
Ela destacou ainda o Programa Guardiã Maria da Penha, que monitora medidas protetivas, e a importância da conscientização da população sobre os tipos de crimes previstos na legislação. “Quando falamos da Lei Maria da Penha, estamos falando de cinco tipos de violência”, observou, citando como exemplos a violência psicológica e a patrimonial.
Kelly Ferracine, coordenadora da Proteção Social de Média Complexidade da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, apresentou os abrigos existentes em Santos, como a Casa de Passagem e o abrigo sigiloso, único na Baixada Santista para mulheres em risco de morte.
Plano Municipal
Os participantes da audiência concordaram que, apesar dos avanços, ainda há muito a ser feito. A necessidade de unificar dados, ampliar o acesso à psicoterapia para vítimas (serviço que não é oferecido pelo SUS), e promover discussões sobre gênero e masculinidade nas escolas e grupos sociais foram alguns dos pontos levantados.
Também foi destacada a urgência de Santos formular o Plano Municipal de Prevenção ao Feminicídio, aderindo ao plano nacional, que prevê 73 medidas em níveis primário, secundário e terciário.
No âmbito legislativo, a Câmara aprovou em 2023 projeto de lei que institui o Dossiê das Mulheres, reunindo dados sobre mulheres vítimas de violência. Porém, a lei ainda não foi implementada, conforme apontou a assessora parlamentar Aline Leal, do gabinete da vereadora Débora Camilo (PSOL), autora do projeto.
Já o vereador Cacá Teixeira (PSDB) apresentou à Câmara no dia 13 de maio um projeto de lei para a criação de um programa de atenção a crianças e adolescentes que perderam seus cuidadores devido ao feminicídio ou à covid-19, segundo informou a assessora do vereador, Sandra Santos.
Assista à integra da Audiência.