Não ensinar por quê?

Homenagem a Vicente de Carvalho questiona política cultural

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O mundo considera Vicente de Carvalho um dos maiores escritores da língua portuguesa de todos os tempos. Então, por que a obra do poeta santista não é ensinada nas escolas municipais? Por que seus livros não são reeditados? Por que Santos não cultua devidamente a memória de um dos seus filhos mais ilustres?

Questões como estas foram acentuadas durante a  2ª Semana Vicente de Carvalho, realizada na noite de 10 de abril, no Plenário da Câmara Municipal de Santos.   Uma coisa é certa: a Cidade não tem a exata dimensão do significado de Vicente de Carvalho. Outro detalhe: faltam três anos para a comemoração de 150 de nascimento do Poeta. 

Criada pela  Lei Municipal Nº 2.689, de 26 de abril de 2010, de autoria do Vereador Braz Antunes Mattos Neto, líder do PPS, a Semana Vicente de Carvalho contou com saudação feita pelo Parlamentar, pronunciamento do Escritor, Jornalista e Ativista Cultural Flávio Viegas Amoreira, manifestação da Poetisa Jaíra de Oliveira Presa e apresentações do grupo Percutindo Mundos, Poetas Vivos e do grupo formado por Alice Mesquita, Tereza Teixeira e Clara Snifer.

Em seu discurso, o Vereador Braz Antunes citou que a formação da identidade santista se deu a partir de nomes como Vicente de Carvalho, Martins Fontes, Mário Gruber, Gilberto Mendes, Plínio Marcos, Geraldo Galão e Patrícia Galvão, entre outros."Ao País ensinamos a liberdade cultural e a caridade do espírito criador", afirmou. 

Criador também da Semana Martins Fontes, o Líder do PPS lembrou que Vicente de Carvalho deixou como herança ao povo santista dois imensos patrimônios: as praias e os versos. Vicente de Carvalho é o responsável pela transformação das praias santistas em propriedade pública, pois a orla corria o risco de ser privatizada, por aforamento, em 1921.

O Vereador reafirmou sua intenção de continuar lutando em favor das causas culturais, mesmo que sejam consideradas lutas inglórias, como foi o pedido para preservação da casa da Rua Oswaldo cruz 455, de onde saiu o corpo de Vicente de Carvalho. Para o Parlamentar, o local deveria ser desapropria e transformado em um memorial ao Poeta. Mas ao invés de crescer para dentro de si mesma, Santos só cresce para o alto e a casa foi demolida para a construção de mais um prédio.

O escritor Flávio Viegas Amoreira, com um discurso sempre desafiador e crítico, perguntou como fica a nossa alma numa Cidade que mata a sua própria história. Lembrou que até 1920 Vicente de Carvalho era o poeta mais lido do Brasil, desde a aristocracia até à classe operária, passando pela burguesia e que é louvado até em Lisboa. Pediu a permanente divulgação da sua obra e completou: " Aqui estamos lançando uma semente, que deve ser transformada numa contaminação virtuosa, a partir da Câmara Municipal, e chegar a todas as ruas".

 "Poemas e Canções", destacou Amoreira, é uma obra prima. "Vicente de Carvalho não é um homem, é uma atmosfera, um universo. Temos uma alta responsabilidade com o nosso mais nobre conterrâneo", sentenciou, sem deixar de lembrar que Vicente de Carvalho foi um pioneiro do ambientalismo.

 "No instante em que vislumbramos riquezas de um pré-sal energético, solicito com a veemência de um bardo: forjemos com o mesmo ímpeto um pré-sal cultural, emotivo, pela nossa poesia e nossa história de tradição e vanguarda", reforçou Amoreira.

A poetisa Jaíra de Oliveira Presa, que foi a pessoa que solicitou ao Vereador Braz a criação da Semana Vicente de Carvalho,  destacou a sua antiga e permanente paixão pela obra e vida do Poeta.

Leia seguir a íntegra dos discursos do Vereador Braz Antunes Mattos Neto e do escritor Fávio Viegas Amoreira.

 "Existe um mar que nos protege e nos define. Somos pessoas oceânicas,  atlânticas. Somos santistas,  temos em verdade o oceano dentro do peito, somos filhos dos ventos marítimos, vivemos sentimentos úmidos e verdades profundas. Aprendemos a pescar aquilo que é sublime, a preservar a grandeza do pensamento, a força do verbo. 

Aprendemos a ouvir o mar e amar os horizontes, embarcando e desembarcando.  E quem  nos ensinou foi Vicente de Carvalho. Ouvindo o mar, seus murmúrios e suas preces, criou-se em Santos um dos maiores poetas da língua portuguesa de todos os tempos.

São os ícones que nos fazem refletir, pensar a vida, examinar o conceito daquilo que significa  ser santista. Vicente de Carvalho, Martins Fontes, Plínio Marcos, Mário Gruber, Gilberto Mendes, Geraldo Ferraz e Patrícia Galvão, principalmente,  definiram a essência destas terras baixas. Temos o cais para partir em direção aos outros mundos, e temos nomes de grandeza que ultrapassam os limites impostos pela Serra do Mar.  Ao País ensinamos a liberdade cultural e a caridade do espírito criador.

A formação da identidade santista através da Cultura é um dos motivos que me motivaram a apresentar a proposta de criação da Semana Vicente de Carvalho, que se materializou na Lei Municipal Nº 2.689, de 26 de abril de 2010. Acredito sinceramente que uma das funções mais prazerosas do Vereador é atender solicitações de ordem Cultural.

E foi o que fiz, sem qualquer vacilação, quando recebi o pedido da Jaíra de Oliveira Presa para criar a Semana Vicente de Carvalho. Além do compromisso natural com uma das figuras mais marcantes e talentosas da história santista, nunca poderia deixar sem resposta uma solicitação da Jaíra, admirável batalhadora, defensora das causas culturais e da memória santista, e que tem um entusiasmo que contagia, que supera obstáculos.

Da mesma forma ocorreu com a criação da Semana Martins Fontes,  em função da Lei Municipal Nº 2.445, de 8 de janeiro de 2007, também de minha autoria, atendendo uma solicitação da querida Maria Araújo, Presidente da Academia Santista de Letras. Essa questão envolve dois aspectos: não sei bem qual o motivo de tão distintas defensoras da Cultura Santista terem procurado justamente este Vereador. Mas repetirei sempre que é uma grande honra ser  escolhido por quem tem o conhecimento, a sabedoria e a coragem destas admiráveis e voluntariosas Senhoras.

É por isso mesmo que, com toda a sinceridade possível, faço questão de agradecer à minha amiga Jaíra por ter me procurado. É por isso que estamos comemorando, pelo segundo ano consecutivo, a figura maior de Vicente de Carvalho. O outro ponto diz respeito ao relacionamento entre os Poderes Constituídos e a Cultura. O Jornalista, Escritor, Poeta e Ativista Cultural

Flávio Viegas Amoreira escreveu certa vez um magnífico artigo intitulado "A companhia do espírito", que deveria servir de manual de instruções ou
pequena Bíblia para todos os políticos, principalmente ao lembrar que Santos, cidade que cada vez mais cresce para o alto, "deve dar um salto profundo para dentro e alçar voo a partir de sua cultura para longe e grande". 

No mesmo artigo, o Flávio fala das secretarias e governos avessos à Arte. Pois mesmo sendo apenas um simpatizante interessado, e não um especialista, posso dizer que é muito difícil para o meio político dar atenção à Cultura. Quando deveria acontecer exatamente o contrário: atenção total, pelo poder transformador e conscientizador da Cultura. Sei bem que não faltam aqueles que torcem o nariz até mesmo para a realização de uma modesta Semana de Vicente de Carvalho. Aos olhos deles, que nunca sentiram o sublime, nada disso tem importância, é perda de tempo. Mas continuarei insistindo, teimosamente.

Pois bem: ter criado as duas semanas, com dois dos grandes nomes da literatura santista, é a minha forma simplificada de dizer a todos que a Política deve perceber aquilo que realmente tem importância, tem grandeza, tem transcendência.
 A respeito do meu amigo Flávio Viegas Amoreira, já citado acima, contemporâneo de juventude e das ruas do Boqueirão e que mantinha amizade com meu pai, Nelson Antunes Mattos Neto,  é preciso fazer também um agradecimento: com a sua inteligência aguda, sua cultura criteriosa e o seu entusiasmo criativo, ele vem emprestar um pouquinho do seu prestígio a esta humilde solenidade.

Da mesma forma, sintam-se homenageados todos os presentes, todos aqueles que trabalharam pela realização da 2ª Semana Vicente de Carvalho, com menção especial ao Márcio Barreto e ao Grupo Percutindo Mundos; ao grupo formado pelas maravilhosas Alice Mesquita, Clara Snifer e Maria Teixeira; e ao grupo Poetas Vivos, sempre dedicado e sempre aplaudido.

A todos, faço questão de dizer que solicitei, através do meu trabalho parlamentar, a reedição de toda a obra de Vicente de Carvalho e a presença constante da sua obra nas escolas municipais. E que continuarei insistindo, mesmo que muitos considerem que se tratam de lutas inglórias, como a luta em favor da preservação da casa da Rua Oswaldo Cruz 455, de tantos  significados, e que acabou demolida, derrubada pela falta de visão  e consciência daqueles que têm momentaneamente o poder de decidir. Continuarei insistindo que Santos tem o dever e o compromisso de divulgar cada vez mais os poemas de Vicente de Carvalho, que precisam ser conhecidos a fundo. E continuarei repetindo sempre que aqui viveu o maior poeta lírico do Brasil, e por isso somos todos abençoados.

A nossa retribuição tem de ser a de ensinar quem foi Vicente de Carvalho, o que ele escreveu e como a sua ação política e cultural garantiu para sempre dois dos grandes patrimônios santistas: as praias e os verso E nos deixou como herança o conceito prático do que é ser santista, a nossa identidade e a certeza de que o mar ainda murmura e nos protege.  

Muito obrigado a todos"  

 

Discurso do Jornalista e Escritor Flávio Viegas Amoreira na Sessão Solene da 2ª Semana Vicente de Carvalho:

O patrimônio de uma comunidade que se pretenda ser uma civilização não se mede tão  somente por seus avanços econômicos e realidade material: bem antes , a cultura dum povo é forjada pelo valor dado à sua História e alma compartilhada. A terra e seu povo são moldados pelo valor dado ‘a seus símbolos anímicos e transcendência de sua trajetória: nenhum bem imaterial é tão santista e radicalmente santense quanto a obra e o legado de nosso mais nobre conterrâneo : Vicente de Carvalho. Nascido sobre a ancestralidade dos primeiros habitantes da costa e a força bandeirante, abolicionista, homem de Estado de honradez raras, pensador panteísta, esteta amantíssimo da ternura e bravura femininas, defensor incansável de nosso patrimônio litorâneo, exímio pescador, um dos precursores do conceito de Ecologia no Brasil, pai zeloso de queridíssima prole, republicano, humanista visionário, Vicente de Carvalho não bastasse tão justas adjetivações: é considerado hoje em todos os países lusófonos dos mais amplos e virtuosos líricos do idioma falado em cinco continentes.

Seu livro ´´Poemas e Canções´´ lhe valeu eleição por unanimidade para a Academia Brasileira de Letras: tornou-se lido com mesmo deleite amoroso pelas aristocracia quanto pela burguesia letrada ascendente da nossa Belle Époque. Considerado por Mário de Andrade um poeta acima de estilos, era admirado e foi divulgado pela primeira vez em Portugal por um jovem lisboeta que dizia ser Vicente de Carvalho o sonho de todo homem de letras, Fernando Pessoa, que escreveu: ´´ o brasileiro do mítico porto de Santos Vicente de Carvalho é um caso raro em nosso idioma literário, consegue comover nossos corações com uma rara perícia do intelecto para compor seus versos que atravessam oceanos para chegarem aqui ao cais da Ribeira em Lisboa.´´

No instante em que vislumbramos riquezas de um pré-sal energético  
solicito com veemência de um bardo: forjemos com mesmo ímpeto
um pré-sal emotivo pela poesia e nossa história tradição e vanguarda. Aproxima os 150 anos de nascimento daquele a quem devemos os jardins da praia, a cessão  das terras de marinhas a municipalidade e como um guia, um xamã caiçara, os mais belos versos dedicados a maior força da natureza nesse fragilizado planeta: ´ O mar, belo mar selvagen, de nossas praias solitárias.´

Saudo o Vereador Braz, incansável batalhador pelas nossas causas culturais, a idealizadora da semana,  a poeta Jaira Pressa  e com carinho Dona Helena Carvalho Petená  neta do poeta da raça  e filha dum inesquecível amigo que me ligou de modo indelével pelo afeto e literatura ao poeta que me inspira e a quem pretendo honrar como descendente espiritual.

Encerro com um apelo: por mais querida seja a estátua de Vicente de Carvalho no zênite da barra, um marco emotivo para gerações e gerações , onde se reúne num canto de praia nossa mais bela juventude, sonho com a reedição pelo poder público de \'Poemas e Canções\'  para que se eternize na rede escolar a poesia de nosso homenageado: é nosso dever tirar Vicente de Carvalho do estado de estátua para leva-lo às salas de aula, praças e retirar da poeira das estantes em condição de fóssil um universo de encantamento :  a atmosfera e sentimento atlântico do mundo desse escritor-oceano: Vicente de Carvalho !
 
 Obrigado."